Um conto sobre seduções ingênuas


O Nome

O rapaz da seção de estofados chama-se José, a senhorita bem penteada dos cristais é Simone, e Deise é aquela mais empertigada com uniforme diferente – é a supervisora. Mas onde estará a menina magra de cabelos curtos que atendeu sua esposa outro dia e foi tão atenciosa ao mostrar os faqueiros, porcelanas e quase todos os itens da lista de casamento da sua sobrinha? No seu lugar estava um mocinho solícito e pálido chamado Davi. O olho atento e o ouvido interesseiro ajudaram a descobrir os nomes de vários atendentes da loja, menos aquele que provocou seu retorno.
A volta ao estabelecimento foi precedida de muita reflexão e sobressaltos. Lúcio calculou o pretexto mais adequado – demonstraria interesse pela lupa com cabo nacarado vista na seção onde ela atende – e antecipou as sensações possíveis quando reagisse a um eventual sorriso dela, ao apertar sua mão, agradecendo a cordialidade.

Demorou-se por alguns dias inquietos fantasiando enredos verossímeis para o intento, fantasiou enviar-lhe flores, encontrá-la no elevador e deparar-se com sua respiração buliçosa. Mas eram sonhos curtos, entrecortados da lucidez oferecida pela posição de professor titular de uma universidade católica e ele acordava sempre antes de imaginar o gosto que teria o beijo daquela menina tão fora de suas possibilidades como marido correto, homem culto e prudente.
A decepção de não vê-la foi também alívio, porque não sabia como seria se ela estivesse lá. E se a atenção dispensada no outro dia fosse somente cortesia de boa vendedora? E se não? Qual seria a reação, o rubor, a tremedeira? As portas se escancarando e ele sem saber se aceita o convite para entrar ou se foge como criança que tocou a campainha apenas por pirraça.

Não encontrá-la, porém, fazia a parte não aliviada de sua intensidade manter-se presa à vibração adolescente que o fez perambular com cara de tolo nos corredores da loja, desculpando-se com os atendentes que lhe ofereciam ajuda. O desconforto embrulhado com a decepção gerava sensação de urgência, quase desespero e, mais que tudo, absurdo.
Há poucos dias vira a moça pela primeira vez. Tivera a leve impressão de que retribuíra um olhar mais atento. Conversa rápida enquanto preenchia a nota fiscal, despedida polida. Nada além. Com pouco mais que nada moldou os contornos de um romance épico e ardências inconfessáveis, e agora cavalgava nessa humilhação de perambular desconsolado como um Dom Quixote entre moinhos feitos de cristais e objetos de decoração dispensando envergonhado a atenção de outros vendedores.

Enquanto pagava a lupa que outro atendente o ajudou a escolher, consolava-se pensando que quarta-feira poderia ser o dia de folga da moça e havia ali muitas outras peças que poderia ainda adquirir. Voltou para casa recitando em voz baixa todos os nomes que supunha cabíveis para a jovem que não vira.

Conto publicado no site Culturanews, em maio de 2011.


Sobre Maurem Kayna

Maurem Kayna é Engenheira Florestal, baila flamenco e é apaixonada pela palavra como matéria-prima para a vida. Escreve contos, análises sobre a auto publicação e tem a pretensão de criar parágrafos perenes.

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